Présentation du blog / Presentazione del blog

« Questo blog nasce da una grande passione per la poesia e per i poeti di lingua portoghese. Qui troverete poesie e prose poetiche seguite dalla traduzione in italiano e francese ».

« Este blogue brota de uma grande paixão pela poesia e pelos poetas da língua portuguesa. Aqui vocês encontrarão poemas e prosas poéticas, acompanhados da sua tradução em italiano e francês ».

« Ce blog est né d'une grande passion pour la poésie et les poètes de langue portugaise et a pour vocation de vous les faire découvrir. Vous trouverez ici les poèmes, en vers ou en prose, de poètes de tous horizons, accompagnés de leur traduction en italien et en français ».


 ACTUALITÉS DU BLOG / NOTIZIE SUL BLOG



Ainda que tu estejas aí…


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Ainda que tu estejas aí...
Anche se tu fossi lì…


ainda que tu estejas aí e tu estejas aí e
eu esteja aqui estaremos sempre no
mesmo sítio se fecharmos os olhos
serás sempre tu e tu que me ensinarás
a nadar seremos sempre nós sob
o sol morno de julho e o véu ténue
do nosso silêncio será sempre o
teu e o teu e o meu sorriso a cair
e a gritar de alegria ao mergulhar
na água ao procurar um abraço que
não precisa de ser dado serão
sempre os teus e os teus e os meus
cabelos molhados na respiração
suave das parreiras sempre as tuas
e as tuas e as minhas mãos que não
precisam de se dar para se sentir
ainda que tu estejas aí e tu estejas aí e
eu esteja aqui estaremos sempre
juntos nesta tarde de sol de julho
a nadarmos sob o planar sereno dos
pombos no tanque pouco fundo da
nossa horta sempre no tanque fresco
da horta que construíram para nós
para que na vida pudéssemos ser
mana e mana e mano para sempre
anche se tu fossi lì e tu sei lì e
io fossi qui staremo sempre nello
stesso posto se chiudiamo gli occhi
sarai sempre tu e tu che mi insegnerai
a nuotare saremo sempre noi sotto
il tiepido sole di luglio e il velo tenue
del nostro silenzio sarà sempre il
tuo e il tuo e il mio sorriso che si spegne
e grida di gioia nel tuffarsi
nell’acqua aspettandosi un abbraccio che
non occorre sia dato saranno
sempre i tuoi e i tuoi e i miei
capelli bagnati nel respiro
dolce dei vigneti sempre le tue
e le tue e le mie mani che non
hanno bisogno di stringersi per sentirsi
anche se tu fossi lì e tu sei lì e
io fossi qui staremo sempre
vicini in questo pomeriggio di sole di luglio
nuotando sotto la serena planata dei
colombi nello stagno poco profondo del
nostro giardino sempre nello stagno fresco
del giardino ch’era stato creato per noi
affinché nella vita potessimo essere
sorella e sorella e fratello per sempre
________________

Otto Müller
Giorno d’estate - Sommertag (1921)
...

AUTEUR SUIVI / AUTORE SEGUITO



Nuno Rocha Morais

Nuno Rocha Morais (Porto, 1973 – Luxemburgo, 2008) foi um poeta português. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1995.

A sua infância foi um país ocupado...


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A sua infância foi um país ocupado...
Son enfance fut un pays occupé...



«A sua infância foi um país ocupado por entidades detes-táveis que impediam as árvores de lhe falar.
« Son enfance fut un pays occupé par des entités détestables qui empêchaient les arbres de lui parler.
(Mais tarde, na adolescência, imaginou que engravidara de um limoeiro – ou foi o perfume do seu sexo que o sonhou, ou foi o perfume do seu sexo que foi sonhado, talvez pelo limoeiro.)
(Plus tard, à l'adolescence, elle s'imagina être enceinte d'un citronnier – Ou bien ce fut le parfum de son sexe qui le rêvait, ou peut-être le parfum de son sexe qui fut rêvé, par le citronnier.)
***
***
Nunca pôde amuar, como as flores se fecham com a noite.
Jamais elle ne pouvait bouder comme les fleurs qui se ferment la nuit.
Obrigavam-na a sorrir educada, perfiladamente, espe-tavam-lhe duas bofetadas e obrigavam-na a levantar a cabeça, a erguer os olhos pesados de choro, e a gordura das lágrimas caía-lhe pela face e ouvia-se no chão.
Ils l'ont obligée à sourire poliment, de profil, l'ont giflée par deux fois et l'ont forcée à redresser la tête, les yeux lourds de larmes, et la graisse de ses larmes coulaient de ses joues jusqu'à toucher le sol.
***
***
A sua infância é um país ocupado até hoje.
Son enfance est un pays encore occupé aujourd'hui.
***
***
(A sua vida pareceu-lhe sempre uma longa convalescença. Ou qualquer coisa que lhe foi emprestada. Uma presença emprestada – para quê?
(Sa vie lui a toujours semblé une longue convalescence. Ou quelque chose qui ne lui fut que prêtée. Une présence d'emprunt – mais pour quoi ?
A existência parecia-lhe apenas um estado sólido da tristeza mais absoluta. Ou talvez lhe faltasse apenas paciência para viver.
L'existence ne lui semblait que l'état solide d'une tristesse absolue. Ou peut-être manquait-elle simplement de patience pour vivre.
Vive por engano? Se morreu, quer saber. Se vive, quer saber.
Vivait-elle par erreur ? Morte, elle veut savoir. Vivante, elle veut savoir.
Espera um sinal de si própria. Espera algo que, dentro dela, arda mais alto do que ela.
Elle attend un signal de sa part. Elle attend que quelque chose en elle brûle plus haut qu'elle-même.
Um signo que, ao erguer-se, toque e faça girar uma constelação.)»
Un signe, en se levant, qui touche et fasse tourner une constellation.) »

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Henri Rousseau, Le Douanier
Femme se promenant dans une forêt exotique (1905)

Acontecerá tudo num café...


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Acontecerá tudo num café...
Tout se produira dans un café...


Acontecerá tudo num café
Dos mais movimentados da cidade.
Estarás sempre a olhar para o relógio,
Só a custo ouvirei a tua voz.
Sobre a mesa, haverá uns grãos de açúcar
E o ar sufocará, espesso de fumo.

Tudo se passará, claro, como fumo –
O olvido entra já pelo café.
Solúvel como fábula de açúcar,
Até dos mapas sumirá a cidade.
Já não me guiará a tua voz,
Durante tanto tempo o meu relógio.

Tudo se grava a fundo num relógio,
Sem lágrimas ou fogo, sequer fumo.
Tudo se passa, então, quase sem voz.
Nos teus olhos escuros de café,
Vai-se desvanecendo uma cidade
Que apenas deixa um rasto de açúcar.

Tudo se passa, claro, sem açúcar,
Perder é o sentido do relógio
E qualquer tempo é fuga: uma cidade
Voa para o passado como fumo,
Arrastada num gole de café,
Cerrando-se debaixo de uma voz.

Tudo morreu assim, sem chave e sem voz.
O tempo antes medido em grãos de açúcar
Cessou na vozearia de um café,
Mas como é que se inventa outro relógio?
Para ti, o meu rosto é apenas fumo?
Para mim, o teu é uma cidade.

Tudo se passou, claro, na cidade
Onde ouço ainda os passos dessa voz.
A recordação acre sabe a fumo
E contra ela nada pode o açúcar:
Deambula, espectral, no meu relógio,
Arde no burburinho de um café.

A cidade perdeu todo o açúcar,
Mas não se esquecerá a voz, relógio
Onde o que foi é fumo num café.
...

Tout se produira dans un café
Un des plus achalandés de la ville.
Tu seras là toujours à regarder l'heure,
À entendre avec difficultés ta voix.
Sur la table, il y aura des morceaux de sucre
Et l'épaisse fumée dans l'air qui fera suffoquer.

Tout passera, c'est clair, comme fumée –
Déjà par le café rentre l'oubli.
Soluble comme une fable de sucre,
Même la ville disparaitra des cartes.
Ta voix bientôt ne me guidera plus,
Depuis si longtemps ma montre...

Tout est gravé dans le fond d'une montre,
Sans larmes ni feu, pas même une fumée.
Tout se passe alors, presque sans voix.
Dans tes yeux noirs de café,
Va se dissoudre une ville
ne laissant qu'une trainée de sucre.

C'est clair, tout se passe sans sucre,
Le sens du temps est de le perdre
Et tout laps de temps est une fuite : la ville
s'envole vers le passé comme fumée,
Une gorgée de café l'emporte,
Pour disparaître au-dessous d'une voix.

Tout est mort ainsi, sans clé et sans voix.
Le temps d'abord mesuré en morceaux de sucre
S'est arrêté dans les vociférations d'un café
Mais comment inventer une autre montre ?
Pour toi, mon visage n'est-il que fumée ?
Pour moi, le tien est une ville.

C'est clair, tout s'est passé en ville.
Où j'entends encore les pas de cette voix.
Acre souvenir ayant un goût de fumée
Et contre elle le sucre ne peut rien :
Spectrale, déambule sur ma montre,
Brûle dans le brouhaha d'un café.

La ville a perdu tout le sucre,
Mais ne s'oubliera pas la voix, cette heure
où ce qui fut est fumée dans un café.
...

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Compositions - Arlette de Bréville (née en 1931)
...

Tremiam, extremas...


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Tremiam, extremas...
Elles tremblaient à l'extrême...


Tremiam, extremas, como folhas na tempestade,
Depostas a medo em papel de arroz,
Muito ao de leve, quase ilegíveis,
E teriam a seda e a graça
De passos orientais, essas palavras;
Eram casas escritas de bambu muito frágil,
Funâmbulas na escuridão,
Sobre papel de arroz,
E o papel mal podia suportar o peso da tinta
Que a custo sustentava, arquejante,
O peso de palavras;
E as palavras, uma exalação de amendoeiras,
Uma exalação quase esmagada
Pelo perfume (do) que dizia.
...

Elles tremblaient à l'extrême, comme feuilles sous l'orage,
Déposées avec précaution sur du papier de riz,
Très légèrement, presque illisible,
Et elles avaient la soie et la grâce
Des pas orientaux, ces paroles ;
C'étaient des maisons écrites d'un bambou très fragile,
Funambules dans l'obscurité,
Sur du papier de riz,
Et le papier supportait mal le poids de l'encre
qui soutenait à peine, haletant,
Le poids des paroles ;
Et les paroles, exhalaison d'amandiers,
Étaient exhalaison presque broyée
Par les fumées (de ce) qu'elles disaient.
...

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Bambou - papier de riz
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Se não é um dos muitos fuzilados...


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Se não é um dos muitos fuzilados...
Si ce n'est l'un des nombreux fusillés...


Se não é um dos muitos fuzilados das Espanhas,
Renascido de uma vala comum,
Será um Ulisses que não achou regresso,
Ou não quis achá-lo, preferindo
O cálice capitoso da viagem.
Fala muitos demóticos, mas na torrente
Apenas se percebe um fragmento
Decerto legado pelos deuses – «tontería».
Ei-lo agora à porta
De supermercados incompreensíveis:
Sorri e bebe à saúde de toda a gente,
Uma cortesia que o torna suspeito, indesejável.
De Inverno, raramente dorme
Para prosseguir a sua viagem;
Não quer sonhos, que acabam sempre
Nos baixios de qualquer manhã,
Nem se quer perder do mar
Que o embala durante todo o Verão
Numa ressaca de constelações.

Si ce n'est l'un des nombreux fusillés d'Espagne,
Renaissant d'une fosse commune, il s'agira
D'un Ulysse qui ne trouve pas le chemin du retour,
Ou ne veut pas le trouver, préférant
Le capiteux calice du voyage.
Il parle de nombreux démotiques, mais de ce flot,
Ne se perçoit qu'un fragment
Légué par les dieux pour sûr – « foutaises ».
Le voici maintenant à la porte
Des supermarchés incompréhensibles :
Il sourit et boit à la santé de tout le monde,
Une courtoisie qui le rend suspect, indésirable.
En hiver, il dort rarement
pour continuer son voyage ;
Il ne veut pas de rêves, qui finissent toujours
dans les bas-fonds de quelque matin,
Il ne veut pas non plus se perdre
Dans la mer qui l'a bercé tout l’Été
D'un ressac de constellations.

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Gustave Courbet
Le bord de mer à Palavas (1854)
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Mantém a cabeça bem alta...


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Mantém a cabeça bem alta...
Maintiens la tête bien haute...



«Mantém a cabeça bem alta para que não te vejam o coração.
« Maintiens la tête bien haute pour qu'ils ne voient pas ton cœur.
Eu sei, tínhamos falado longamente, moldado uma espécie de acordo e agora sangra, incisa, uma cláusula nunca escrita.
Je sais, nous avons longuement.parlé, formant une sorte d'accord qui, incisée, maintenant saigne d'une clausule jamais écrite.
O impossível cede terreno, deixa-se invadir. Já não me dizes sequer que nos voltaremos a encontrar? Não entendo esta lava monologada na garganta. Não nos voltaremos a encontrar? Não serão minhas as noites do teu regresso?
L'impossible cède du terrain, il se laisse envahir. Désormais tu ne dis même plus que nous parviendrons à nous rencontrer ? Je n'entends plus cette lave en monologue dans ma gorge. Parviendrons-nous à nous rencontrer ? Ne seront-elles pas miennes les nuits de ton retour ?
O meu amor de ti nada pôde quando rebentaram os diques, quando um relâmpago perde tudo e o mundo já não serve.
Mon amour pour toi n'a rien pu faire quand les digues ont sauté, que la foudre a tout dévasté et que le monde alors n'a plus servi à rien.
***
***
O mundo é um conceito pomposo.
Le monde est un concept pompeux.
O mundo de que falo é um punhado de ruas, algumas árvores, um pequeno número de rostos e as mais elementares forças de que somos o palco, mais nada.
Le monde dont je parle est une poignet de rues, de quelques arbres, un petit nombre de visages et les plus élémentaires des forces dont nous sommes la scène, mais rien de plus.
Forças que, quando nos vencem, acabam vencidas.
Forces qui, lorsqu'elles nous combattent, finissent par nous vaincre.
Julgo às vezes que me deveriam ter abatido como se abatem em algumas regiões os cães marfados – atirando-me para dentro de um poço seco, onde eu ficasse a apodrecer.
Je pense parfois qu'elles auraient dû m'abattre comme on abat dans certaines régions les chiens enragés – me jeter dans un cul-de-basse-fosse, où il ne me resterais plus qu'à pourrir.
Se calhar, foi isso que aconteceu.
Il se pourrait bien que ce fut ce qui s'est passé.
***
***
Estamos separados apenas pela fina parede de uma cidade.
Nous sommes à peine séparés par les fines parois d'une ville.
Ouço-te do outro lado, como também me poderás ouvir a mim; ouço as tuas azáfamas, as tuas fúrias, as portas que se abrem e fecham no teu mundo, vozes que às vezes atravessam a parede e me trazem o teu nome.
Je t'entends de l'autre côté, comme aussi bien tu pourrais m'entendre. J'entends tes branle-bas, tes furies, les portes qui s'ouvrent et se ferment dans ton monde, des voix qui parfois traversent les murs et m'apportent ton nom.
Uma separação quase corpo a corpo.
Une séparation quasi corps à corps.
Na melhor das hipóteses, indiferença; na pior, indiferença também.»
Dans la meilleure des hypothèses, indifférence ; dans la pire, indifférence.

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Giorgio de Chirico
L'énigme d'une journée (1914)

Duas mulheres de Leonardo


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Duas mulheres de Leonardo
Deux femmes de Léonard


I.

Não é uma alegoria:
Uma alegoria não olha assim, de viés,
Não recusa assim contemplar o mundo,
Não tem estes olhos castanhos
E quérulos e tristes,
Não se oculta assim, em vão,
Ao olhar roaz.


II.

Talvez esta, sim, pudesse ser
Uma alegoria, pelo ar seráfico
E sereno, pelo simples facto
De ter ao colo um arminho
Que parece assustado
E que esta mulher segura
Apenas pelo poder de uma carícia
Na ponta dos dedos.
Sim, poderia ser uma alegoria,
Mas é uma beldade mundana,
De nome Cecilia Gallerani.
...

I.

Non, ce n'est pas une allégorie :
Une allégorie ne regarde pas ainsi, de biais,
Ne se refuse pas à contempler ainsi le monde,
N'a pas ces yeux marrons
Dolents et tristes,
Ne se cache pas ainsi, en vain,
Avec un œil rogue.


II.

Elle, peut-être, oui, ce pourrait être
Une allégorie, par son air séraphique
Et serein, par le simple fait qu'elle
Tient entre ses bras une hermine
Qui nous semble effrayée
Et que cette femme rassure
par le pouvoir simple d'une caresse
Du bout des doigts.
Oui, elle pourrait être une allégorie,
Mais ce n'est qu'une beauté mondaine
Dénommée Cecilia Gallerani.
...

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Léonard de Vinci La dame à l'hermine
(Portrait de Cecilia Gallerani) vers 1490
...

Um homem. De neblina...


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Um homem. De neblina...
Un homme. De brume...


 (Tributo a Francis Bacon)

I.

Um homem. De neblina.
A cada passo mais difuso.
Caminha para nós.
Nunca nos encontrará.
O azul não é o nosso elemento.


II.

Um grito que não é som,
Mas apenas a forma da boca:
Desejo, esconjuro, caos,
Trono, quasar, signo,
Verme tão contráctil
Como a luz de qualquer estrela.
A boca, proteica,
Para se ajustar à angústia,
À alegria, transborda
Da sua própria forma.
Após a boca, está logo a alma:
O calor que dela emana
Denuncia um anjo íncubo
Que não partiu há muito,
Deixando um sabor do sémen
Final e definitivo.
...

 (Hommage à Francis Bacon)

  I.

Un homme De brume.
A chaque pas plus diffus.
Il vient à notre rencontre.
Jamais il ne nous trouvera.
L'azur n'est pas notre élément.


II.

Un cri qui n'est pas un son,
Mais seulement la forme d'une bouche :
Désir, exorcisme, chaos,
Trône, quasar, signe,
Ver si contractile
Comme la lumière de quelque étoile.
La bouche, protéique,
Pour s'adapter à l'angoisse,
À la joie, débordée
De sa propre forme.
Après la bouche, il n'est que l'âme :
La chaleur qui d'elle émane
Dénonce un ange incube
Qui n'est pas parti depuis longtemps,
Laissant un goût de sperme
Ultime et définitif.
...

________________

Francis Bacon
Étude pour une tête (1952)
...

Deveria ser dado que morrêssemos


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Deveria ser dado que morrêssemos
Il devrait être dit que nous mourrons


Deveria ser dado que morrêssemos
Com um amor ainda vivo em nós,
Como deveria ser dado a um pássaro
Morrer naturalmente em pleno voo

Il devrait être dit que nous mourrons
Avec un amour vivant encore en nous
Comme il devrait être dit d'un oiseau
qu'il meure en plein vol naturellement

________________

Joan Miró
Le vol d’un oiseau sur la plaine II
(1939)
...

Com um punhal, de noite...


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Com um punhal, de noite...
Avec un poignard, de nuit...


 Cracóvia, 1914

Com um punhal, de noite,
Com um punhal, alguém bate,
Sem cessar, no umbral.
A terra é uma língua verde,
A infância, um veado azul.
Com um punhal, de noite,
Com um punhal, alguém bate,
Sem cessar, nas paredes dos quartos.
O inferno é o rosto da tua mãe,
O inferno é o rosto da tua irmã,
Pedra e anjo e bosque.
O relógio de sol marca sempre meia-noite,
A tua alma foi com a música
Colher bagas, que esmaga no corpo –
Azuis, vermelhas, violetas.
A cidade é toda vielas
Entre as mandíbulas das muralhas
E os caninos das torres;
A única luz é de archotes plangentes
E jamais se cansam os cortejos fúnebres,
Coro de passos em ranger de gravilha.
Com um punhal, de noite,
Com um punhal, alguém bate,
Sem cessar, à tua cabeceira.
Alguém te cobre com o frio.
Entrega-te nesses braços, confia –
Sabes que é o abismo..

 Cracovie, 1914

Avec un poignard, de nuit,
Avec un poignard, sur le seuil,
Quelqu'un frappe, sans cesse.
La terre est une langue verte,
L'enfance est une cerf bleu.
Avec un poignard, contre les murs,
Dans les chambres, quelqu'un frappe sans cesse.
L'enfer est le visage de ta mère,
L'enfer est le visage de ta sœur,
Pierre et ange et bosquet.
Le cadran solaire indique toujours minuit,
Ton âme s'accompagnait d'une musique
Cueillant des baies, que ton corps remâche –
Bleues, rouges, violettes.
La ville est ruelles, tout entière
Entre les mandibules des murailles
Et les canines des tours.
L'unique lumière est la plainte des flambeaux
Et jamais ne se fatiguent les processions funèbres.
Chœur de pas au crissement des graviers.
Avec un poignard, de nuit,
Avec un poignard, à ton chevet,
Quelqu'un frappe, sans cesse.
Quelqu'un te recouvre d'un froid.
Laisse et tombe dans ces bras, aie confiance –
Tu sais qu'il est l'abîme.

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Umberto Boccioni
La charge des lanciers (1915)
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Terça-feira


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Terça-feira
Mardi


 «Non sum qualis eram...»

Bastam-me três medidas de lua,
O vinho com canela,
O renascer contínuo da fonte,
E eis-me tal era sob o império de Cinara.
A noite esqueceu o meu exílio,
E o amor tão-pouco lembra
Que é apenas um resto agro
No fundo de um copo:
Há um perfume que me desafia
A persegui-lo sob uma túnica.
Mas tudo isto foi antes do passado,
Quando o amor não era um resto
E a memória não era púnica.

 « Je ne suis plus qui j'étais...» (Horace)

Me suffisent trois mesures de lune,
Un vin à la cannelle, continue
La résurgence d'une fontaine,
et me voici tel que j'étais sous l'empire
de Cinara. La nuit a oublié mon exil,
Et l'amour non plus ne s'en souvient
Ce n'est plus qu'un reste âcre
Dans le fond d'une coupe :
Il est un parfum sous une tunique
qui me défit de le poursuivre.
Mais tout ceci appartient au passé,
Quand l'amour n'était pas une ombre
Et la mémoire, une perfidie punique.

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Scène conviviale
Vase des Pouilles du IVème siècle av J.C.
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Últimos Poemas (2009)

Ilustrações de Rasa Sakalaité




Edições QUASI